Semana passada recebi em consulta uma senhora com diagnóstico de câncer de intestino, trazendo um exame mostrando diagnóstico há mais de dois meses. Investigando, entendi que ela havia já marcado uma consulta logo que recebeu o resultado do exame, mas por conta do confinamento e pandemia, acabou não conseguindo ser atendida, e atrasou o início de seu tratamento por um tempo que pode lhe custar caro no resultado.
As últimas semanas foram de foco quase exclusivo na Covid-19 na área de saúde. Clínicas e postos de saúde fecharam, hospitais se ajustaram para atendimento da pandemia, médicos pararam seus atendimentos não emergenciais – e não poderia ter sido diferente, a situação exige essa medida de enfrentamento à pandemia
Mas pessoas continuam a ter doenças.
Doenças crônicas que precisam de manutenção ou ajuste de tratamento.
Doenças agudas em pacientes que precisam de atendimento, e acabam atrasando o diagnóstico e tratamento porque têm medo de ir ao pronto-socorro, por medo de serem contaminadas.
Doenças novas, como o caso da paciente descrito no início, com necessidade de tratamento não emergencial, mas que não pode ser adiado por meses.
Continua existindo a hipertensão arterial, continua a existir o risco de infarto, diabetes ainda não tem cura, e precisa de controle; doenças renais com necessidade de hemodiálise não pararam de existir. As pessoas continuam a ter dores lombares que precisam de intervenção, continuam a ter dores abdominais que precisam de investigação, continuam com seus tratamentos de depressão que precisam de ajuste de drogas; e diagnóstico de câncer também não pode ficar sem conduta.
Além disso, nós, profissionais da saúde, vivemos esses dias com o foco na Covid-19 (e o receio contínuo de sermos contaminados), e muitas vezes enxergar outro diagnóstico pode se tornar aparentemente não tão fácil ou parecer não tão importante.
Paradoxalmente, boa parte desses pacientes que precisa de médicos são mais idosos e têm recomendação expressa de não saírem de casa. Dessa maneira, alguns apresentam sintomas que deveriam levá-los aos pronto-socorros, mas acabam postergando essa ída ao hospital pelo medo de contaminação pela Covid-19. Ao mesmo tempo existem aqueles que precisam de atendimento médico não urgente, ou seja, que não precisariam ir ao hospital, mas que poderiam ser resolvidos com consultas em consultórios, e que acabam não conseguindo esse atendimento porque muitos consultórios e clínicas estão fechados ainda, ou porque seu médico também tem recomendação de ficar em casa (sim, médicos também envelhecem e ficam doentes!!).
Em ambos os casos pode haver um atraso no diagnóstico que pode levar à perda da possibilidade de tratamento. Um tratamento que poderia ser eficaz há dois meses, pode não ser mais nesse momento, e acabamos nos sentindo tão impotentes em relação a esses pacientes quanto nossos colegas que estão diretamente lidando com a Covid-19.
Nas áreas em que atuo, coloproctologia e cirurgia digestiva, existem alguns sinais de alerta que precisam de atenção para que não se deixe passar a necessidade de investigação ou de tratamento. Pessoas que têm estes sinais e sintomas não devem ficar em casa esperando a pandemia passar para procurar assistência médica.
É fundamental que se reconheça esses sinais de alerta: perda de peso, dificuldade de engolir, sangramento nas fezes, fezes escuras, dor abdominal recorrente, vômitos, aumento rápido do volume abdominal, qualquer alteração progressiva do hábito intestinal sem causa aparente. Em caso de haver esses sinais e sintomas, procure seu médico, não espere! Muitas vezes o risco de ficar esperando é maior que o de procurar o hospital ou consultório.
Já os sintomas leves, ou que têm meses ou anos de duração, ou consultas de rotina de pacientes assintomáticos, podem esperar um pouco. O Corona vírus veio de uma maneira violenta e inesperada, tirando muitas noites de sono, dizimando economias de vidas inteiras, matando muita gente. A única coisa que devemos e podemos fazer é evitar a contaminação em massa nesse momento, ficando em casa. Mais algum tempo e provavelmente estaremos voltando à rotina, e todas as situações médicas, inclusive as mais simples, poderão ser resolvidas.
Sair de casa agora só se justifica para poucos, e se o risco de não procurar ajuda for muito alto. Por isso, fique em casa!
Dr. Gustavo Sevá Pereira é Especialista e Membro Titular das Sociedades Brasileiras de Coloproctologia e de Endoscopia Digestiva e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva, Coordenador do Grupo de Coloproctologia do Hospital Mário Gatti de Campinas e aficionado por Cirurgia Colorretal.
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