No momento da formatura, todos nós médicos fazemos o Juramento de Hipócrates. Entre outras coisas, determina que devemos ensinar a arte e os preceitos da Medicina aos filhos de nossos mestres, aos nossos filhos e aos discípulos, sem remuneração. Não serve pra cumprir tabela, mas como retribuição aos inúmeros profissionais que se esforçaram para transmitir determinada matéria aos alunos. E é enorme o respeito por essas pessoas que exercem a Medicina e o ensino médico com paixão e doação. Retribuir ensinando os próximos é o mínimo.
Recentemente ouvi de um amigo médico um relato da época de sua residência, quando o chefe não permitia que os residentes, ávidos por conhecer os detalhes, ficassem por perto quando uma determinada técnica cirúrgica era usada, impedindo-os de aprender. Talvez esse chefe estivesse evitando criar concorrentes.
O juramento de Hipócrates rege as relações éticas e posturas médicas. Foi mudada a escrita original, ajustada à prática de cada tempo, mas o conceito original permanece. Mas o tempo passa e a vida de alguns acaba sendo pautada por outros valores. Alguns se esquecem do Juramento, ou de quanto seus mestres se empenharam em ensinar.
Essa história me fez lembrar do meu passado profissional. Das pessoas que me ensinaram muito durante a faculdade, depois na residência médica e especializações. E principalmente depois desses anos aprendizado, quando a responsabilidade sobre o paciente já não podia mais ser diluída no sistema de ensino, houve ocasiões em que precisei de ajuda qualificada. E nesses momentos, quando já não havia mais professores ou preceptores formais, e estes já haviam se tornado meus colegas médicos, recebi calorosos e prestativos auxílios.
Logo que deixei a residência fui acolhido sob a asa profissional de um dos melhores seres humanos que já passou pela Coloproctologia do Brasil. Me ensinou inúmeros detalhes que ainda uso e ensino. Me ensinou a tratar pacientes de maneira transparente. Tive o privilégio de conviver muito próximo dele por alguns anos, e nos poucos pacientes cirúrgicos que tive nos primeiros anos de carreira, me ajudou em várias ocasiões, e todas as vezes satisfeito. Infelizmente nos deixou muitíssimo cedo.
Lembro-me de quando liguei para um outro ex-professor de cirurgia e pedi em duas cirurgias que ele fosse me ajudar com uma técnica mais atual, a que eu não estava afeito à época, e ele foi, sorrindo, visivelmente alegre por estar ensinando.
Houve outra situação pontual de quando tinha dificuldade de fazer uma determinada manobra com o aparelho de colonoscopia. Pedi a um outro ex-professor se poderia “estagiar” na clínica particular dele por uns dias, para desvendar o procedimento vendo-o fazê-lo. A resposta:- Claro, fique o quanto quiser!
A beleza dessas histórias é que são exemplos de que ensinar e ajudar a formar médicos com dedicação, amor e desprendimento (especialmente sabendo que serão concorrentes!) faz com que o professor seja visto com um grande respeito e gratidão. São as doações profissionais e dedicação ao ensino que fazem destes, os profissionais mais reverenciados.
Talvez naqueles anos eu não tenha entendido o valor de todo o ensinamento a que fui exposto, e só mais recentemente fui olhar pra trás e notar a grandiosidade disso. A esses cujas histórias citei aqui e muitos outros, sou e sempre serei muito grato.
Sempre tive muita vontade de retribuir, mas a missão de ensinar medicina requer uma profundidade de conhecimento que só vem com o tempo, e talvez por isso tenha demorado um pouco para que eu pudesse me sentir transmitindo conhecimento de maneira eficaz. Mas o tempo passou e hoje sou professor de uma Faculdade de Medicina e faço parte do grupo de médicos que forma alguns dos melhores Cirurgiões e coloproctologistas do Brasil.
Ensinar Medicina, e especialmente Cirurgia, é algo bastante diferente do ensino de sala de aula. É viver a prática clínica o tempo todo, é pegar na mão de um aluno ou residente para ensinar como dar um ponto. É chamar a atenção porque o curativo não está bem feito. É dividir a atenção entre o cuidado com o paciente e o capricho no ensino. É mostrar como são delicadas e importantes as relações de multiprofissionais. É sair do ambiente hospitalar para contar e ouvir histórias, e aprender com elas. É algo que se vive o tempo todo, de modo bastante intenso.
Orgulho-me sempre em saber que um ex-aluno ou ex-residente foi elogiado, publicou algo importante, virou uma referência ou chegou num alto patamar profissional. É das mais gratificantes experiências pessoais e a maior retribuição que se pode ter no mundo do ensino médico.
Ensinar requer atualização, requer estudo, paciência e dedicação. Mas principalmente requer o reconhecimento da importância daqueles que vieram antes de mim, que me ensinaram e assim eternizaram sua participação na história. Sem sentir por esses mestres um enorme respeito e gratidão não creio ser possível passar adiante o valor de ensinar a arte da Medicina e Cirurgia.
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